CONCERTO #3 - 8 JUNHO - SDC '22


 Semana da Composição 2022 | 6 a 11 de junho

Escola Superior de Música de Lisboa

3ª Feira, 8 junho, 21h | Grande Auditório



Programa:


Homenagem a José Lopes e Silva

Apresentação dos Três Manuscritos de José Lopes e Silva, por Pedro F. Sousa


José Lopes e Silva | Nocturnal - guitarra clássica preparada, percussão e dança

Guitarra Preparada - Ana Gonçalves Albino; 
Percussão - João Duarte; 
Bailarina - Inesa Markava

Obra essencialmente meditativa, seguindo os mesmos princípios filosóficos e estéticos da obra anterior, Sub Memória. A transformação permanente do material sonoro através de jogos tímbricos ou a desnaturação do próprio material de base cria uma atmosfera por vezes ambígua ou perturbante. O conceito temporal nesta obra é bastante singular: cada som ou grupo de sons possui o seu "tempo" próprio. Por vezes a linguagem assume uma dimensão desrelacionadora, sem encadeamentos ou progressões, mas sem perder também a sua permanente emotividade, no que respeita a evocações de imagens afectivas profundamente vividas. Nesta obra, as alturas e os timbres são elementos simbólicos em permanente mutação, livres e independentes, vivendo a sua própria existência isolados ou em grupos. 


José Lopes e Silva | Tensão e Distensão - guitarra clássica

Guitarra Clássica - Ana Gonçalves Albino


José Lopes e Silva | Sub memória - guitarra clássica

Guitarra Clássica - Ana Gonçalves Albino


Carlos Marecos  | Aprendiz de novos sons - violoncelo, piano e eletrónica em tempo real

Violoncelo - Eva Aguilar; 
Piano - Miguel Perdigão

Esta é uma peça didáctica, encomenda do Duo Sigma, que pretende explorar os novos sons que surgem principalmente como alargamento tímbrico das possibilidades do violoncelo e do piano. Estes aspectos reflectem-se na distorção do som do violoncelo, através de diferentes aproximações ao cavalete ou da pressão exagerada do arco na execução; no piano refletem-se na obtenção de harmónicos (aflorando-se as cordas no seu interior, em simultâneo com a execução no teclado), no efeito do som das cordas em surdina (abafando-as) ou ainda os pizzicati, (beliscando directamente as cordas no interior do piano). A peça inclui ainda electrónica, sendo esta componente mais uma contribuição para abrir espaço à escuta de novos sons. Claro que estes sons não são assim tão novos, pois a sua utilização foi iniciada aproximadamente há cem anos no caso do piano, há cerca de oitenta no caso da electrónica, e o alargamento da exploração tímbrica do violoncelo tem origem ainda num passado mais remoto. Contudo, no percurso de um estudante de música, este tipo de técnicas não é muito abordado, sendo por vezes apenas trabalhadas em estudos superiores ou mesmo já no meio profissional. A música apresenta-se escrita sem compasso, maioritariamente com uma figuração livre com algumas passagens de figuração rigorosamente notada, mas igualmente sem compasso. Assim, entre o violoncelo e o piano existe uma grande flexibilidade na interpretação, sendo que o compromisso vertical (sincronismo) entre os dois instrumentistas não é sistemático, acontecendo no início de determinados gestos musicais iniciados em simultâneo, mas com desenvolvimento independente desses gestos. A electrónica é concebida previamente em estúdio, dividida em diversos fragmentos, que resultam da manipulação de objectos sonoros criados a partir dos mesmos instrumentos, mas que são lançados em tempo real, ora iniciando gestos musicais simultaneamente com o violoncelo e o piano, ora independente deles, funcionando o operador da electrónica como mais um intérprete. Ao iniciar a escrita da obra na altura em que Paulo Gaio Lima nos deixou, acabou por surgir de forma natural uma pequena homenagem a este nosso amigo e grande violoncelista. Tendo Paulo Gaio Lima também estreado as minhas Miniaturas para Violoncelo solo, são aqui incluídas na electrónica algumas frases dessa peça que, de certa forma, o mantêm em diálogo connosco durante a materialização da música em concerto.


Débora Coquim | Forêt - flauta, violino e e violoncelo

Flauta - Marta Borges
Violino - Tânia Nércio
Violoncelo - Catarina Coelho

Forêt, como o nome indica, é uma peça que nos deve transportar para o mundo que existe numa floresta, com todos os elementos que nela coexistem. É uma peça que nos deve lembrar a harmonia entre esses mesmos elementos, através das sonoridades que nos são oferecidas pelos três instrumentos, sonoridades essas que nos recordam o chilrear dos pássaros, o vento a passar pelas folhas das árvores e o diálogo entre as várias espécies que guardam e vigiam as florestas.


Mariana Ribeiro | Caleidoscópio - clarinete solo

Clarinete - Leena Bettencourt

“Caleidoscópio”, para Clarinete em Siᵇ, tem por base as imagens que são observadas através do aparelho ótico que dá nome à peça. Esta é constituída por um motivo principal que vai sendo trabalhado e fragmentado, de modo a aludir a essas mesmas imagens. São ainda exploradas técnicas do clarinete, como glissandos, multifónicos e aoelian sounds. A peça apresenta, portanto, uma representação motívica da imagem real observada, à qual se seguem variações com diversas sonoridades, que aludem para as cores e para os padrões fragmentados passíveis de serem observados ao olhar para essa imagem real através do caleidoscópio.


Tiago Simas | Crepuscular - piano solo

Piano - António Antunes

Crepuscular é uma peça que compus inspirada no poema homónimo de Camilo Pessanha. O poeta que nele, com grande engenho, confronta a felicidade e a beleza do mundo com a essência mortal e efémera do ser humano, consegue criar uma sinuosa e quase mística atmosfera de contemplação perante o infortúnio. Foi este ambiente que procurei invocar na minha peça, na esperança de fazer germinar também, em quem a ouve, uma reflexão momentânea ou duradoura acerca do âmago da sua própria natureza. Procurei fazê-lo, não através da criação de um espaço sonoro onde o ouvinte, alheio àquilo que perante ele se torna presente, se limita a comportar-se de uma forma meditativa, mas sim através do intuito de compor uma música que sirva, para aquele que atentamente a testemunha, como guia dessa sua mesma meditação.

Os traços do poema de Pessanha acabam por se tornar presentes nesta pequena obra para piano: o carácter atmosférico que se forma na escrita de uma textura constante; a intemporalidade do crepúsculo que se figura numa dinâmica superficial; a incoerência da vida humana que se personifica, por entre outros elementos, na irregularidade rítmica e numa harmonia pouco evidente. A esperança ilusória na derrota da desventura, em favor da admiração da beleza do mundo, torna-se presente nos vislumbres ocasionais da tonalidade, que acabam por se desvanecer num ambiente maioritariamente atonal.

Depois de deplorar o infortúnio, é aquele que contempla a paisagem que este poema ilustra que quase se faz crer na eternidade da sua felicidade e da perfeição, até entrar em conformidade com a inevitabilidade da sua perda. É assim que Camilo Pessanha nos revela em Crepuscular a esquecida importância da nossa existência: admiremos aquilo que de belo e de perfeito o mundo tem, pois que um dia será belo e perfeito sem nós.


Samuel Gapp | Diálogos - ensemble misto

Flauta - Gonçalo Ramos
Clarinete Baixo - André Santos
Trompa - Telmo Rocha 
Harpa - Francisco Silva 
Viola - Eva Grancho
Violoncelo - Eva Aguilar 
Direção - Ricardo Monteiro


Samuel Gapp | Obscurity - ensemble misto

Flauta - Gonçalo Ramos
Clarinete Baixo - André Santos
Trompa - Telmo Rocha
Harpa - Francisco Silva 
Viola - Eva Grancho
Violoncelo - Eva Aguilar 
Direção - Ricardo Monteiro

1 the condition of being unknown

2 uncertainty of meaning or expression; ambiguity

3 darkness; dimness; indistinctness


Carlos Marecos | A Casa do Cravo - piano e eletrónica em tempo real (Obra cancelada)

Piano - Francisco Costa
Eletrónica - Marta Domingues

Esta peça resulta de uma encomenda do Festival DME num contexto de um projecto sobre paisagem sonora. Assim, a peça inspira-se na paisagem alentejana, no vazio, no silêncio, nos sinos que interrompem o silêncio. Por outro lado surgem as memórias do 25 de Abril de 1974. No entanto, esta não é uma peça sobre o "verão quente", mas sim sobre as terras e as paisagens alentejanas, sobre as memórias das pessoas dessa região que viveram intensamente esse período. Algumas dessas memórias estão presentes na parte central da peça, onde é parafraseada no piano a "Grândola Vila Morena" do Zeca Afonso e citadas na electrónica excertos de canções do Sérgio Godinho, José Mário Branco, dos GAC e novamente do Zeca Afonso. No final, essas memórias diluem-se na paisagem sonora alentejana.
Na parte electrónica da peça foram incluídas gravações de rádio de 1974-75, feitas por mim em fita, entre os meus 10 e 11 anos, entretanto recuperadas. Em inúmeros acontecimentos que se viviam nas ruas no "verão quente" de 75, a minha família estava na rua e quando não era aconselhado eu ir, dada a minha idade, ficava em casa a gravar as reportagens em directo que se faziam desses acontecimentos na rádio.
A peça remete ainda, de forma subtil, para um episódio em 1979, onde na mesma terra da casa do cravo, dois habitantes foram mortos num conflito na altura da restituição de terras no Alentejo, no final do período da reforma agrária.
Desde essa altura muitas utopias se esfumaram mas ficou a memória de milhares de pessoas nas ruas, que puderam experienciar a liberdade a passar pelas suas vidas, de uma forma talvez exagerada e sôfrega mas genuína; tudo era muito urgente… Como diz o Sérgio Godinho numa das suas canções: “Esperar tantos anos torna tudo mais urgente”
É, assim, na alegria e na melancolia de revisitar esse período, que esta peça se inspira.
Como disse também uma vez o José Mário Branco: “Valeu a pena tanta luta? Sim Valeu…